Tradutora fala sobre autismo do jovem filho, dublador da série ‘Pablo’, da Netflix


Postado por Autismo em Dia em 01/dez/2021 - 5 Comentários

Rosana Ponomavenco é muitas coisas: tradutora, assistente terapêutica de crianças no espectro do autismo, publicitária e agora estuda psicologia. No entanto, é evidente que ser mãe de um jovem autista de 25 anos passou a ser uma ‘função’ tão importante quanto sua carreira multifacetada. E, ao falar sobre autismo no contexto da vida do filho, fica claro que, de todos os lados, ‘sucesso’ é mais que uma palavra para esta família. Galalau, filho de Rosana, aos 25 anos, vem alcançando estabilidade profissional onde muitos sequer acreditam que seja um lugar confortável para um autista: a comunicação.

Galalau, claro, é apelido de Eric pelo qual ele prefere ser chamado publicamente. O rapaz de 1 metro e 95 é, atualmente, um dos dubladores da série animada ‘Pablo’, exibida no Brasil pela Netflix. Porém, se engana quem pensa que sua presença no elenco é puramente pelo fato de a série ser dublada somente por autistas. Galalau é ator profissional e hoje cursa rádio e TV na universidade.

A relação de mãe e filho é um exemplo inspirador. Como mãe, Rosana sempre prezou pela saúde, pelo bem-estar tanto quanto pelo crescimento social do filho. Como filho, Galalau usa toda a força motora que vem de sua mãe para ganhar independência e construir sua própria jornada. A seguir, você vai conhecer alguns dos melhores momentos da vida dessa dupla.

Índice

‘Foi o olhar de uma avó professora’, diz Rosana sobre o diagnóstico de autismo

Tudo começou num Natal em que a mãe de Rosana, que é professora, foi passar com a filha e o neto, em Cotia, São Paulo. Naquela época, quando Galalau nasceu, a investigação do transtorno ainda engatinhava no Brasil. Mas a avó do menino desconfiou que ele era surdo, afinal, ele não reagia aos chamados de um adulto.

O pediatra, na época, incentivou que a mãe investigasse, já que Rosana, enfim, tinha detectado algo fora do comum. Depois de passar por um neurologista, o diagnóstico veio. A partir desse momento, Rosana e Galalau tiveram muita sorte. “Naquela época era um mundo de ninguém. Não tinha lei de inclusão, não tinha escola inclusiva, nem profissionais de ABA ou assistentes terapêuticos. Mas eu caí por acaso numa escola que, já naquele tempo, fazia inclusão de crianças especiais”, conta.

Rosana lembra, com muito carinho, de uma pessoa da escola que recomendou que o filho tivesse o acompanhamento de uma assistente terapêutica. Mas, claro, não era tão simples encontrar um profissional. Rosana chegou a colocar um anúncio em uma universidade para que alunos de psicologia que estivessem, então, interessados. Além da assistência profissional, o garoto dependeu, até os seis anos, do auxílio de uma fonoaudióloga para começar a ter funcionalidade na fala.

Sobre autismo e fraternidade

Até a adolescência, Galalau e Rosana viveram uma rotina que não difere tanto da que a maioria das famílias de autistas vive. Nesse meio tempo, Rosana, inclusive, chegou a deixar a carreira de lado.

“Quando meu filho saiu do ensino médio e começou a ganhar independência e mobilidade eu pensei: e agora? O que vai ser da minha vida? A vida inteira eu corri atrás das coisas dele. Aí eu pensei: eu ainda não terminei a minha história com o autismo, vou estudar”.

Rosana foi fazer mestrado em distúrbios do desenvolvimento e depois emendou uma pós-graduação no sistema ABA. Por conta disso e lembrando que, no começo da maternidade, as coisas eram muito difíceis, Rosana começou um projeto pessoal de acolhimento de mães.

“Sempre precisei das outras mães. Eu precisava que as pessoas estivessem do meu lado. Isso foi um aprendizado de vida muito grande pra mim. Hoje, eu atendo muitas mães. Tento ajudar essa mulher a associar essas ideias. Porque quando você, de fato, recebe o diagnóstico, fica meio perdido. Não sabe pra onde correr, não sabe se aquele profissional é bom ou ruim, se é melhor escola pública ou privada, não sabe de qual tipo de terapia a criança precisa. Tento ajudar a encontrar um caminho de acordo com as condições em que essa mãe vive, pois não existe uma fórmula”.

O projeto ganhou força depois que Rosana abriu um site onde mães do Brasil inteiro podem fazer contato.

“As pessoas ficam com muito medo do estigma se contarem sobre o autismo para as outras pessoas. Mas inclusão é algo que a gente faz no coletivo. Você precisa das outras mulheres. Se as outras mães não tiverem empatia por você, elas vão ter receio de convidar seu filho para a festa de aniversário do filho delas”.

girafa da série pablo

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Rosana Ponomavenco

Um feito histórico

‘Pablo’ é uma série infantil exibida no Brasil pela Netflix. Pais e mães de autistas, inclusive, já estão de olho nessa série faz algum tempo, já que ela foi pensando nas crianças atípicas. Os produtores internacionais da série, ao exportá-la para outros países, fizeram uma única exigência: no elenco de dubladores, todos deveriam ser autistas.

A dublagem, em si, é uma atividade que demanda algumas qualidades muito específicas em comunicação. Em elencos regulares, por exemplo, a certificação profissional em atuação é exigida. Mas no caminho da produção da série estava Galalau, que é ator profissional. Na série, ele dubla a girafa Rafa, um animal muito inteligente. O fato é duplamente impressionante. Primeiro, por conta do projeto inédito e que tem tido apoio de grandes empresas do entretenimento. Segundo porque é uma abertura sem precedentes para uma área profissional tão restrita no Brasil.

A paixão de Galalau pela atuação vem desde criança e teve um incansável apoio da mãe, que nos contou como tudo isso começou.

sobre-autismo---Eric-da-série-pablo

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Rosana Ponomavenco

De Shakespeare à Netflix

O filho de Rosana podia ter diversas dificuldades, mas no meio disso, uma característica saltava. Galalau conseguia guardar textos com uma facilidade enorme. Por isso, Rosana matriculou ele desde cedo no teatro amador. Como ela mesma afirma, ela sempre quis apresentar possibilidades diversas para o filho. Como deu pra ver, de fato, deu muito certo e foi muito além da adaptação de Shakespeare, sua primeira apresentação.

“Quando ele terminou o ensino médio, a minha preocupação era que ele tivesse uma atividade diária. Naquele momento, ele não tinha condições de ir para a universidade. Ele ainda nem tinha interesse em algum curso superior. E eu, que na época fazia traduções de filmes para o português, fui fazer um curso de dublagem.

Eu chamei o Galalau e minha filha mais velha para ir junto. A princípio, ele não quis. Mas eu arrastei os dois comigo e ele se apaixonou pela dublagem. Mas eu sabia que a possibilidade de ele ter uma chance de trabalho ali era pequena. Então eu disse pra ele primeiro fazer um curso técnico de atuação, tirar o DRT, e aí ele foi fazer um curso de um ano.”

Início da vida profissional

Depois de formado, Galalau ficou 2 anos em São Paulo atuando na peça Os Miseráveis. Em seguida, o rapaz conclui a própria formação em dublagem profissional. E, assim, pouco tempo depois surgiu a oportunidade de dublar um dos personagens da série Pablo. Galalau é um dos únicos no elenco de dubladores com a formação profissional em atuação.

Contudo, os palcos e as telas não foram os únicos rumos profissionais do rapaz. Ele cursou, também, um período no projeto Specialisterne, iniciativa internacional – com filial no Brasil – que coloca autistas na rota das vagas de trabalho no ramo da tecnologia. Atualmente, Galalau também trabalha no setor de mídia eletrônica da Kantar Ibope, preenchendo uma vaga de cota.

Vida universitária

Galalau já tinha feito muita coisa na vida profissional quando, enfim, foi para a universidade. E, aqui, novamente vemos o papel de Rosana bastante influente.

Em uma palestra da FMU, universidade em que estuda psicologia, Rosana descobriu, com muita alegria, o Núcleo de Apoio Psicopedagógico (NAP). O órgão funciona para dar suporte a alunos com deficiência dentro da universidade.

“Antes de eu conversar com ele sobre entrar na universidade, eu marquei, então, uma reunião com o NAP. A coordenadora, inclusive, já conhecia o Eric por conta da participação dele no documentário ‘Em um mundo interior’. Ela se comprometeu a avaliar as necessidades de adaptação que ele poderia ter.”

Servindo de exemplo para muitas universidades, o NAP, de fato, vem funcionando. Reuniões pedagógicas com a equipe de profissionais e a coordenação são frequentes para tomada de decisões, assim como para adaptação de provas com linguagem mais direta e objetiva e suporte junto aos professores.  As aulas estão on-line três vezes na semana e, nos outros dias, o ensino é EAD. Além disso, a família contratou uma tutora mentora para questões acadêmicas que o ajuda na abstração do conteúdo.

Rosana conta, ainda, que mais dois profissionais têm ajudado ele nessa caminhada. Uma psicóloga bem como um assistente terapêutico comportamental ABA (que ajuda na questão do relacionamento com outros jovens).

autista sobre independência

Fonte: Arquivo pessoal cedido por Rosana Ponomavenco

Independência do outro lado do mundo

Uma das maiores preocupações de Rosana sempre foi dar independência ao filho. E um episódio curioso dessa história certamente teve um grande impacto nesse processo.

Do mesmo modo, em paralelo ao curso de teatro, Galalau entrou para as aulas de Aikido, um tipo de arte marcial japonesa. O esporte virou outra paixão dele.

Certa vez, um casal amigo da família contou que viajaria ao Japão para um curso de Aikido. E eles queriam muito poder levar Galalau. Rosana foi, a princípio, resistente. Ela se perguntava como o filho ficaria do outro lado do mundo longe da família.

“Eu perguntei para eles se eles entendiam mesmo que o Eric tem suas questões, uma série de restrições alimentares, algumas resistências e rigidez de pensamento. Mas eles tinham certeza que essa viagem seria um aprendizado para todos. O Eric ficou muito empolgado e ele mesmo disse que se dependesse da gente ele nunca iria para o Japão. Essa viagem era a realização de um sonho para ele.

Isso começou um processo novo de independência dele. Até então, ele não usava o transporte público, embora já soubesse usar há algum tempo, porque era muito mais seguro e cômodo a pessoa que eu pagava pra fazer os trajetos dele. Eu disse que se ele começasse a pegar ônibus sozinho, a gente poderia economizar esse dinheiro para a viagem. Ele passou a pegar ônibus sozinho todos os dias. Inclusive, ele todo mês perguntava quantos iênes (moeda japonesa) dava pra comprar com o dinheiro economizado”.

Rosana ainda quis garantir a comunicação do rapaz durante a viagem e ele passou 1 ano estudando japonês. Por fim, Rosana pôs o filho no avião em direção ao oriente, onde passou 30 dias se virando, praticamente sozinho. Voltou ao Brasil tão realizado que tatuou uma homenagem ao país.

Autismo em Dia: sobre autismo e sobre autistas

Por aqui, a gente amou conhecer a história da Rosana e do Galalau como nossos proTEAgonistas da vez. Por isso temos certeza que vai servir de inspiração para muitos pais e mães de autistas. Clicando aqui, você tem acesso a todas as outras histórias que já contamos aqui no blog.

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Obrigado pela leitura ? e até a próxima!

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5 respostas para “Tradutora fala sobre autismo do jovem filho, dublador da série ‘Pablo’, da Netflix”

  1. Brown disse:

    Rosana e Eric, vcs são um exemplo de amor

  2. Lelia Rosa Occhini disse:

    Excelente , grande inspiração pra nós que temos im athipical na família!

  3. Lelia Rosa Occhini disse:

    Excelente , grande inspiração pra nós que temos uma criança autista na família!

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